Se o tempo me fizesse o favor de parar

Poderia eu descansar os olhos orgulhosamente
Sem ressentimentos e sentimentos?

Poderia eu respirar profundamente
Levar o tempo que fosse necessário pra me acalmar?

Será que um dia aprenderia a me organizar?
Por os estudos em dia
Atualizar o papo
Pensar sobre a vida
Viver… tranquilamente…

Se os ponteiros parassem de andar
E a Terra se movesse mais devagar
Poderia eu chorar em paz
Sem ter que me preocupar demais?

Certeiramente, escreve sobre mim.
Sobre meus olhos, meus sorrisos, minhas angústias e tristezas.
Magicamente, olha pra mim.
E verdadeiramente olha, vendo e lendo o que se passa em minhas incertezas.
Estranhamente, ama a mim.
E se doa com tal paixão e medo que vejo em seus gestos suas riquezas.

Unicamente, quero a ti.
Não em desejo louco e desesperado, mas com a calma das paixões certeiras.

Baseado em fatos reais

As memórias as vezes pipocam em nossas mentes com uma insistência diabólica. Não queremos nos lembrar e mesmo assim – ou talvez por isso mesmo – nos recordamos. Os fatos que nos assustam, entristecem ou enfurecem aparecem como um filme de ótima produção, alta resolução e cruel direção.

Nossos erros, apesar de passados, não evaporam aos poucos e muito menos desaparecem no ar. Dentro da gente, estão sempre lá.

Toc-toc.

Eles batem. Insistem. Toc-toc. Você ignora, mas são persistentes. Não vão embora. Toc-toc. Não têm pressa. Não. Eles não tem pressa, se escondem atrás do muro. Toc-toc. De vez em quando, parece que se foram. Mas não, não foram. Estão sempre lá. Nem sempre com a mesma cara, nem sempre com a mesma cor ou roupa. Nem sempre com a mesma forma, nem sempre com o mesmo brilho. As vezes mudam de nariz, de olhos, de trejeitos, afinal, nossa memória não é tão boa assim. Você se lembra, mas o filme estraga com o tempo. Os erros não são digitais.

As vezes remasterizados, eles reaparecem com mais vivacidade. Se mostram com o mesmo terror que tinham à época de acontecimento. O mesmo filme, com as mesmas falas, os mesmos efeitos.

Machuca, arrasta, corta. Ameniza, se esquece, não desaparece.

Lar

Essa casa
Que já não é minha
Esse teto que não me protege
Essas paredes que me sufocam
O calor que me consome.
Há tempos não vivo mais aqui.
Só habito esse quarto
E a sala
Sem nenhum desejo de permanecer.
Me molho no chuveiro frio
Janto na mesa de vidro
Me deito no colchão…
Que me drena.
O colchão em que fico e me confundo com os lençóis, me prendo ao travesseiro, me perdendo em sono e choro.
Em vida e morte.
Em vou ou fico.
Em o que eu faço?

Desejo nº 2

Às vezes a dor se aperta em meu corpo, me cutuca, me aflige, me dificulta a respiração. Nessas horas, não sou mais eu. Sou só a dor. Sou só o que ela quer que eu seja. O que ela me obriga a ser. Nessas horas, não consigo sentir o ar em meus pulmões, nem os pensamentos em minha cabeça. Quando isso acontece, não sinto mais o tato em meus dedos, nem a pontada na minha testa. Nesse momento, não sou mais eu. Nessas horas, a crueldade do que me dói, se transforma no que sou. Sou cruel. Não me importa mais o que o outro sente, nem o esforço que está fazendo pra me ajudar. Ali, naquela situação, não sou mais eu. O que quero fazer é chorar e sentir algo. É me sumir. É me esquecer. As vezes só quero não ser mais dor. Só gostaria de ser eu.

Tentativa de libertação

Hoje ao mundo pedirei

Que acabe com o sofrimento

Que se há algo que quero agora

É que termine esse tormento.

Essa tortura de ser mulher

De ser usada por qualquer um

Já que homem pode tudo

E a gente – se quiser viver,

Que se cale e não apareça.

Suplico sempre que não chame atenção,

Muito embora não consiga evitar

Já que meus seios sem sutiã

Seus desejos vão despertar.

Seios livres, assim os chamo

Seios tristes, assim os sinto

Pois tudo pra que servem,

É matar-me algum dia.

Não a mim, necessariamente

Mas alguma irmã na minha cidade;

Algumas irmãs pelo Brasil,

Todas as mulheres pelo mundo.

Usam meu corpo como desculpa

Pra violência que nos dão.

Ah, quando será que termina

Essa tortura, essa prisão?